lundi 9 juillet 2007


18. A maçã

Mas em que esquina errada a humanidade dobrou? Quando foi que o mecanismo básico do lutar ou fugir, assessorado pelo início de um pensar, começou a produzir, quase que exclusivamente, dor, escravidão e guerra? Quando foi que o processo de saquear e fazer escravos tornou-se uma norma no lugar de uma triste exceção? Ou quando o objetivo da vida passou a ser quase que somente domínio, controle, exploração e saque?

Talvez o conflito interno de tentar tornar-se algo (que havia esquecido já ser) pudesse ter desencadeado esses processos. O conflito que está presente em quase todas filosofias e religiões; aqueles dogmas que professam que devemos no transformar em alguma coisa, lá, além, distante, sob a orientação - é claro - dos líderes religiosos.

E o "gancho" para processar e dar continuidade a esse caminho é o fato das pessoas não serem muito capazes de enfrentar os fatos desagradáveis que ás vezes são elas mesmas. Necessitando assim de uma espécie de perdão. Ou então de um determinado lugar para ir, fora desse mundo, depois de passar uma vida toda de equívocos. Entretanto, esse "determinado lugar", só pode ser acessado, é claro, se essa pessoa, na hora de sua morte, se arrepender de acordo com um determinado credo, só pode ser acessado por meio de uma senha espiritual. Mas aí, já é tarde demais. E todo um horror já terá sido feito.

Um aperfeiçoar-se externo, visando os quatro pontos básicos - domínio, controle, exploração, saque - aos poucos talvez tenha sido internalizado na história do homem. E então um processo de tornar-se melhor do que se já é, começou. Acho que indiretamente esse melhorar internamente visava basicamente melhorar externamente e construir melhores maneiras de levar a diante os quatro pontos básicos - o domínio, o controle, a exploração e o saque.

Ao chegar a esse ponto podemos supor que esse "erro", essa política do saque, esta estética da pilhagem, não se deu em todas as regiões ao mesmo tempo. Determinados grupos sociais começaram a se comportar dessa maneira. E para ser um bom soldado você não pode ser um bom amante. Para agir através da força bruta você tem de suprimir a sutileza.

No caso dos Dravidianos, o povo que habitava o Vale do Indo em seus primórdios, as poucas informações que possuímos a seu respeito nos mostram que eles deveriam ser grandes amantes. Pois cultuavam o essencial para isso. Cultuavam o feminino. O prazer.

Os arianos, ao contrário, com seus carros de assalto (invenção oriunda dessa necessidade de "melhorar") e suas armas de guerra, eram os conquistadores. Os reis nômades guerreiros. Nesse modo de vida, nesse existir, os valores relacionados com o feminino, com o sutil, naturalmente, eram rechaçados. E a mulher era no máximo um veículo - infelizmente necessário segundo esse tipo de cultura - para se produzir filhos varões - se assim deus permitisse e abençoasse.

Mas vamos voltar um pouco. Essa transformação que foi buscada e que até agora nós associamos com o "problema", com a esquina errada que a humanidade virou, torna-se um problema na medida que é associada com o ... tempo. O que queremos dizer com isso é que qualquer modelo de transformação que leve em consideração o fator tempo está fadado a se transformar num equívoco.

É por isso que no tantrismo usam-se técnicas de choque para que haja um curto circuito nessa razão, nesse nosso tempo psicológico. "Tente no estrume". Pois se eu estou tentando transformar-me em alguma coisa, na verdade eu estou é em apuros. Porque eu já sou. Como posso querer me transformar se eu já sou? Isso produz, é claro, um conflito, um problema.

Além do mais, esse "transformar-se" estará sempre ligado a uma determinada construção de mundo. Estará ligado a uma leitura de mundo, que necessariamente não terá de ser a leitura desse sou. Quando uma percepção se faz necessária para que vivamos em harmonia, ela se dá independente do tempo, independente da transformação. Por exemplo, eu desejo a felicidade e evito o desprazer, eu sou uma pessoa relativamente equilibrada, logo, todas as pessoas relativamente equilibradas desejam a felicidades e evitam o desprazer. Logo, tentarei me expressar e comungar via felicidade, via prazer. Pronto. É automático. Não necessita nem de treinamento nem de tempo para que eu perceba isso.

Mas se isso se dá assim, porque é que o mundo é dessa forma, desequilibrado? Teremos de voltar à nossa questão para continuar com a nossa busca. Examinamos que essa nossa necessidade de "transformar" poderia ter dado o impulso inicial para uma espécie de desarmonia evolucionária intelectual. Isso deve ter acontecido com alguns povos e com outros não. Os povos que se tornavam mais belicosos tornavam-se diametralmente opostos no que se referia à sensibilidade, ao feminino e à sexualidade, e vice-versa.

Esse início de pensamento, que trabalhando em cima das noções básicas do lutar ou fugir, criava, infelizmente, mais formas de lutar - pois temiam ter de fugir. Em meio disso ainda havia a necessidade básica do contato com o numinoso, característica de nossa espécie. E essa necessidade básica foi desenvolvida tendo como modelo essa "transformação". Essa melhora. E assim, eu, minha tribo, meu reino, tenho de me transformar externamente para enfrentar e destruir os inimigos, assim como tenho de me transformar internamente para que o meu deus possa me dar força e iluminação para continuar a enfrentar e destruir os infiéis pecadores.

Esse encadeamento desenrola-se até os dias de hoje. Onde a sexualidade continua sendo vigiada e a violência, a cada dia que passa, continua sendo considerada uma coisa normal. O amor é uma fantasia, existe para os poetas, para os fracos; a realidade é outra coisa - eles dizem - o mundo real exige que sejamos agressivos, se não o que está atrás passará por cima de nós. Mas esse argumento parece não levar em consideração que nós é que fazemos a realidade! E essa é a pergunta básica do Tantra: em que tipo de realidade a sua vida flui?

Mas por que a sexualidade sempre foi o alvo de sistemas totalitários, laicos ou não? Porque através dela essa noção de tempo se desfaz. Esse lutar ou fugir não tem mais sentido. Contudo, até mesmo uma "parte" da sexualidade foi capturada e foi, ou considerada doentia, ou considerada pecado, ou considerada pornográfica. Na verdade não considerada, mas tornada. Pois mais uma vez esse sistema que visa preservar esse "erro" que se estende pela história humana criou meios para os indivíduo não perceberem esse estado sublime, numinoso, neles mesmos.

Para saciar a sede por plenitude no homem, o controle criou esquemas onde a sexualidade, o feminino e a mulher foram considerados pecados, desvios, coisas ruins que desvirtuam; já no âmbito social (embora também fosse considerada um mau) foi feito vistas grossas para um tipo de sexualidade contaminada, um tipo de sexualidade onde a conquista era mais importante do que a troca (o termo conquista ganhou até uma característica "romântica" posteriormente), onde o proibido excitava, onde a violência fazia parte dessa dança corporal - agora uma espécie de luta; e finalmente, a partir das cátedras e laboratórios foram estabelecidos limites para essa sexualidade - e aquele que ousasse ultrapassar esses limites seria considerado um anormal, um louco, um desviado. Vigiar e Punir.

Mas se no início esse "erro" foi criado devido a ignorância, devido a falta de conhecimento, ele aos poucos foi se transformando em... norma. Então algo básico, natural, como a sexualidade, transformou-se em pecado, um comportamento proibido e vigiado, um tabu. E algo evitável, como a violência, tornou-se a regra.