lundi 9 juillet 2007




8. Propagação

Mas seria possível que a construção de uma determinada cultura fosse absorvida por elementos de uma outra cultura, sem que seja conhecido a fundo o idioma, a história e outras características dessa cultura a ser descoberta, estudada, conhecida? Seria possível algum tipo de construção social de caráter religioso ou filosófico se propagar pela história da humanidade, assumindo nomes distintos e diversos mas expondo os mesmos insights primordiais? Acho que essas perguntas são respondidas de forma afirmativa no que se refere a “propagação” das idéias tântricas.

Nesse desenvolvimento encontramos um conceito muito semelhante em todas as escolas de mistérios da antigüidade, resumida na fórmula universo num grão de areia. No caso do Tantra, um dos pontos de partida é a fórmula Samsara é Nirvana. Percebemos logo a relação que existe entre essas fórmulas e o princípio hermético o que está em cima é igual ao que está em baixo, do antigo Egito. Mas o que seria isso realmente?

Seria que a transcendência não é uma questão de abandonar o mundo ou nossas pulsões mas sim, uma questão de perceber o sutil no grosseiro e vice-versa. Transformando-os quando necessário. O próprio processo alquímico medieval, ocidental ou oriental, tem como base esse ponto: transformar esse ferro bruto (nossa percepção grosseira) em ouro, a percepção sutil, refinada. Transformar o ato condicionado no fluxo. Deixar a flauta de bambu “oca” para que a existência possa tocar suas melodias – como diriam os sábios índios norte-americanos.

E essa relação, essa identidade, entre mente e corpo, espirito e matéria, macrocosmo e microcosmo, hoje é corroborada pela física quântica. Onde não mais se pode falar de objeto e observador. Onde o eu e o ele ou o aquilo se fundem numa dança de energias. Existe uma ordem... cosmos em grego significa ordem, mas uma ordem entrópica. Uma ordem que é "matemática" no sentido que utilizava von Newmann - matemática como sendo a relação das relações.

Um dos modelos que o Tantra construiu para melhor ilustrar essa situação é o do deus dançante Shiva Nataraja, que em sua dança cria e destrói os universos. Onde em sua dança ele é ao mesmo tempo o dançarino, a dança e a música. "Tudo o que existe, móvel ou imóvel, provém da união do campo e do conhecedor do campo" - Bhagavad-Gita.

E a física moderna se exprime de uma forma bem semelhante a dos mestres tântricos, quando afirma que na natureza existe uma noção de interconexão, que há uma integração entre todos os fenômenos; ao contrário da visão tradicional de mundo da física clássica, onde existia uma leitura mecanicista do universo, onde a matéria era vista como pequenos “blocos de construção”, os átomos.

Em sua origem os gregos achavam que os átomos fossem elementos movidos por alguma força externa, de origem sobrenatural, e portanto diferente da matéria. E enquanto Demócrito descrevia o mundo em função de átomos indivisíveis, Sócrates alertava que seria inútil entender o mundo sem antes entender a si mesmo.

A partir dessa formulação o pensamento ocidental dividiu todo o seu ser num dualismo espírito x matéria e mente x corpo. Contudo, pensadores como Heráclito posicionavam-se de encontro a essa leitura dualista. Porém, ele não era tido como um filósofo e sim como um poeta... Heráclito, o obscuro – como era chamado por seus contemporâneos. “Uma pessoa não pode passar pelo rio duas vezes, pois nem a pessoa será a mesma e nem o rio”. Anunciava o filósofo poeta.

Bem posteriormente, com o cartesianismo, essa divisão ganhou status científico e a natureza dividiu-se em dois domínios: o da mente (res cogitas) e o da matéria (res extensa). Com essa ruptura, a matéria passou a ser considerada como algo sem vida, morta, e o mundo material passou a ser percebido como uma multiplicidade de objetos distintos entre si, como que reunidos numa imensa máquina. Essa visão de mundo foi adotada por Issac Newton que a utilizou como base em sua física clássica.

Mas semelhante a tradição tântrica, a nova física lê o universo a partir de um tecido que se interconecta. E a nossa própria linguagem se vê comprometida nessa “nova” leitura de mundo, pois ao dizermos “um objeto” temos em mente que “em um determinado lugar” existe “uma entidade física separada", independente.

Conceitualmente o mundo tem de ser percebido dessa forma pela mente comum; contudo, quando as tantrikas, e outros mestres de outras tradições, falam em estados onde a “gota se junta ao oceano”, ou quando o Budismo Tântrico afirma que a essência da mente e a essência de tudo é a mesma coisa – o Vazio, temos uma nova leitura de mundo baseada em uma intuição oriunda de uma transformação interna, semelhante a leitura que o físico contemporâneo se depara em suas pesquisas, onde o observador e o objeto observado não se separam.

E com a teoria da relatividade de Einstein ficou provado que o espaço não é tridimensional e que o tempo não é uma “entidade discreta”. Entre eles existe uma relação chamada “espaço-tempo”, um continuum quadridimensional que vai muito além de ambos. Então não se pode mais falar de espaço sem tempo ou de tempo sem espaço.

Nos caminhos tântricos essa “quadridimensionalidade” pode ser alcançada, mas assim como na física, ela não pode ser descrita com uma linguagem comum. Nessa percepção, nesse estado diferenciado de consciência, percebe-se a ligação entre o espaço e o tempo. Mergulha-se nesse abismo sem pára-quedas. No máximo, pode-se "traduzir" essa experiência por meio dos Símbolos.

E se na física, os conceitos relacionados ao espaço-tempo são de vital importância para a descrição dos fenômenos naturais “externos”, no Tantra a percepção dessa quadridimensionalidade, a percepção da unificação do espaço e do tempo e a equivalência entre massa e energia, também são fundamentais e básicas para resolvermos o enigma samsara é nirvana. Enfim, tudo no universo está vinculado com tudo o mais e nenhuma parte dele é fundamental. As propriedades de toda parte são determinadas pelas propriedades de todas as outras partes, e não por alguma lei de base.

A teoria quântica e o tantrismo percebem “os” universos como um complexo continuum de relações entre um todo abrangente. Como afirma Heisenberg, “o mundo se mostra como um complexo tecido de eventos nos quais vínculos de diferentes tipos se alteram, se interpenetram ou se combinam, determinando assim a textura desse todo”. Uma boa leitura da chamada “dança de Nataraja” . Entretanto toda essa questão, que envolve a percepção da realidade através da física quântica e sua relação com o Tantra e com a Verdade e todas essas coisas, pode ser simplesmente... fantasia. Se mais uma vez cristalizarmos isso simplesmente enquanto teoria.