lundi 9 juillet 2007


22. Indra e as formigas

Então o deus Indra matou o dragão e o primeiro ato depois de realizar tamanho feito foi reconstruir a cidade dos deuses. Todas as divindades celestiais o aclamaram como o salvador. Enaltecido pelo triunfo convocou o deus das artes e ofícios e lhe encomendou um palácio digno de sua posição.

Em apenas um ano um inigualável e majestoso palácio foi construído. Contudo o deus Indra sempre acrescentava-lhe mais e mais detalhes; exigindo novos jardins, mais piscinas, pomares, e uma centena de outros quereres. Em desespero, o deus das artes e ofícios decidiu buscar ajuda no conselho divino e apelar ao criador Brahma, que encontrava-se muito além da esfera olímpica de ambição, disputa e glória. "Vá tranqüilo, o problema será resolvido". Disse Brahma ao deus das artes e ofícios.

Na manhã seguinte uma bela camponesa trajando-se de forma simples apareceu diante dos portões de Indra e ordenou ao porteiro que anunciasse a sua visita ao deus. O deus que tudo sabia, prontamente apresentou-se pessoalmente para dar as boas vindas à jovem. Os dois se cumprimentaram e caminharam juntos para o salão real, onde o deus procedeu à cerimônia de boas vindas à hóspede.

"Ó encantadora jovem, qual é o propósito de sua vinda?" - perguntou o deus.

"Ó rei dos deuses, ouvi falar do maravilhoso palácio que estás construindo e vim perguntar-lhe questões que me vieram à mente: quantos anos serão necessários para que seu maravilhoso palácio fique pronto, e que outros feitos de engenharia serão solicitados ao deus das artes e ofícios?" - disse a jovem de voz suave e tranqüila - "Pois nenhum Indra que o antecedeu conseguiu terminar um palácio como há de ser o seu".

O rei dos deuses divertiu-se com a pretensão da jovem em querer saber o que nem mesmo ele, o grande soberano dos deuses, sabia. Com uma voz paternal perguntou: "Querida jovem, são muitos os Indras que me precederam?"

"Sim, muitos - disse a jovem de olhar penetrante que foi sentido por Indra como um calafrio - conheci seu pai e seu avô. Conheci também Marici, filho de Brahma, que possuía como fortuna bondade e devoção, assim como conheci também Brahma, que Vishnu gerou do cálice do lótus, e também conheci a Vishnu que existe a partir do falo de Shiva. E é claro, também conheci o Ser Supremo - Shiva."

Uma procissão de formigas então passou em frente a mesa onde os dois conversavam. A jovem ao percebê-las parou de falar. Em seguida riu, mostrando a beleza e a brancura de seus lindos dentes.

"Por que ri - gaguejou Indra - Quem é você misteriosa jovem sob esse disfarce?" A voz do deus quase falhava e seu olhar não ousava encarar diretamente a jovem.

"Ri por causa das formigas." - respondeu com sua voz suave.

"Vi essas pequenas criaturas - continuou a jovem - desfilando em procissão e ri porque cada uma delas já foi um deus dos deuses, cada uma delas já foi um dos Indras. Por obter muita virtude ascenderam ao reino dos deuses e posteriormente em função de seus karmas cada um desses Indras se transformou novamente em formigas. Esse é o exército de formigas que já foram Indras. Pois através de seus feitos alguém obtém a felicidade ou o sofrimento, por seus feitos alguém torna-se senhor ou escravo. Contudo, o bem e o mal são efêmeros como bolhas de sabão que se alteram em ciclos infinitos. Nem a esses ciclos nem a coisa alguma apega-se a Sabedoria, porque ela não se prende absolutamente a nada"

A jovem terminou de falar e Indra permanecia em silêncio sem saber o que fazer. Nesse momento um eremita entrou na sala e sentou-se ao lado dos dois. Tentando assumir sua posição, Indra reassumiu sua função de anfitrião e perguntou ao velho homem: "De onde vem santo homem, como se chama e o que o traz aqui?"

"Sou um homem pobre que vive apenas em função de conhecer a verdade. Vim até aqui para simplesmente estar na presença daquela que é ao mesmo tempo Devi e Kali, Durga e Parvati, Candi e Camunda, Umã e Tara. Vim até aqui apenas para respirar o mesmo ar da personificação do absoluto e perceber A Própria Harmonia - disse o velho curvando-se frente a jovem - Também sou conhecido como Shiva e vim prestar oferendas aquela que não é nem menina, nem donzela, nem velha; aquela que na verdade não é nem masculino, nem feminino, nem neutro; aquela que é inconcebível, poder incomensurado, Ser de tudo o que existe, livre de toda dualidade."

Então os dois desapareceram deixando Indra sozinho. Com o coração em chamas, Indra retirou-se nas montanhas em meditação deixando para o seu filho o peso de seu cargo.