lundi 9 juillet 2007



27. Mapa da mina
A relação do homem com substâncias alteradoras de consciência é bem antiga. Em várias mitologias encontramos a presença de bebidas, ervas ou cogumelos sagrados. Temos o Maná, o Soma, o Elixir da Vida Eterna, as bebidas e as ervas sacramentais, e até o vinho dos cristãos.
Algumas teorias consideram que o inexplicável pulo que a humanidade deu a partir de um determinado ponto em sua evolução até hoje, se deve ao fato de ter incorporado em sua dieta, alimentos que continham substâncias alteradoras de consciência. O etnobotânico Terence McKenna compartilha dessa visão. Segundo ele, a partir da domesticação do gado na África, deu-se o primeiro contato do hominídeo com cogumelos contendo psilocibina - esse cogumelo cresce das fezes desse animal. E foi aproximadamente nesse período que os rituais religiosos, a criação dos primeiros calendários e a magia de caráter natural vieram a tona.
"O surgimento dos humanos modernos a partir dos primatas superiores - com as enormes mudanças que envolvem tamanho do cérebro e comportamento - aconteceu em menos de três milhões de anos. Fisicamente, nos últimos cem mil anos, mudamos aparentemente muito pouco. Mas a espantosa proliferação de culturas, instituições sociais e sistemas lingüísticos aconteceu tão depressa que os modernos biólogos evolucionários praticamente não conseguem explicar. A maioria nem mesmo tenta." - diz McKenna.
No final desses três milhões de anos o cérebro humano simplesmente... triplicou! Fato notável e de certa forma anormal, dentro das teorias evolutivas. Esse foi o avanço mais rápido registrado para qualquer órgão complexo em toda a historia da vida. E essa taxa extraordinária de mudança evolucionária no principal órgão de nossa espécie deve ser explicada pela presença de pressões seletivas extraordinárias.
Segundo McKenna, a presença de componentes químicos mutagênicos e psicoativos existentes na dieta dos primeiros humanos, influenciou diretamente a rápida reorganização das capacidades do cérebro processar informações. Para ele, os alcalóides contidos na planta, especialmente os compostos alucinógenos como a psilocibina, a dimetiltriptamina (DMT) e a harmalina podem ter sido os fatores químicos que agiram como um gatilho ambiental para o aparecimento da auto-reflexão humana.
Mas essa leitura nos lembra muito Lamark e a sua teoria, onde as características adquiridas por um indivíduo podem ser repassadas a sua prole. Todavia, segundo McKenna, a presença da psilocibina na dieta dos hominídeos mudou os parâmetros do processo de seleção natural ao mudar os padrões de comportamentos sobre os quais essa seleção vinha operando, e os estilos epigenéticos de comportamento mais bem-sucedidos se espalharam entre as populações junto com os genes que os reforçaram. E desse modo, ele afirma - afastando-se assim do lamarckismo - que a população evoluiu genética e culturalmente.
Levi Strauss, citando Wasson, analisa o mito da árvore do conhecimento e conclui que o mito da fruta proibida seria uma metáfora do contato do homem com uma substância alteradora de consciência, que dentro de um situação de caráter religioso, ele (Wasson) classificaria de substância enteógena - para diferenciar da expressão alucinógena ou psicodélica que envolveria uma utilização de caráter recreativo. Essas seriam então as primeiras hierofanias vegetais.
Dentro do Rig-Veda encontramos o Soma que era prensado e mesclado ao leite para ser consumido em rituais e cerimônias dedicados ao deus Indra. Por outro lado, encontraríamos dentre aqueles que seguiam as práticas xamânicas pré-védicas e entre os que posteriormente iniciariam a revolução tântrica, o uso de uma determinada planta, a cannabis sativa. Era considerada no Vale do Indo uma das cinco plantas sagradas encabeçadas pelo Soma.
Contudo Bhagwan Shree Rajneesh nos alerta para que Soma em sânscrito também é uma outra forma de chamar a lua. E que o Soma de que se fala dentro do hinduísmo é uma ciência secreta para se entrar em contato com os poderes lunares. Semelhante à forma que os oceanos são afetados pela lua, o ser que souber como se conectar com essa energia será banhado por esse suco de luz, por esse néctar, por esse Soma, e entrará em estados alterados de consciência sem nenhuma necessidade de um agente externo.
Essa questão me remete a um determinado ritual que participei onde foi distribuído aquilo que poderia se chamar de uma "versão" do Ayahuasca. Antes da cerimônia, o Mestre que presidia a reunião comentava sobre as qualidades enteógenas da bebida e suas várias aplicações na saúde de um indivíduo - inclusive do poder de descondicioná-lo do uso de drogas como o álcool, o que é um fato. Em seguida, argumentou que enquanto aquela bebida estava relacionada com "a parte de cima", a cannabis sativa, a maconha, estaria relacionada com "a parte de baixo", numa alusão clara ao céu e ao inferno. Ele estava certíssimo, mas na medida que a "parte de baixo" refere-se ao chakra básico e a "parte de cima" ao sétimo chakra.
Determinadas plantas atuam diretamente em determinados chakras. E se o Soma, Ayahuasca, ou seja lá o nome que lhe demos, atua no "ponto final" dessa flauta interna, a cannabis atua em sua base. Atua na sexualidade. E dentro de uma situação ritualística uma energia não é melhor que a outra. Ambas tem as suas funções. Curiosamente, tanto a cannabis quanto o Ayahuasca possuem os dois pares: a planta masculina e a feminina. Força e luz ou Shiva e Shakti.
Lemos em Feuerstein, citando o Swami Satyananda Saraswati "segundo ele, até hoje a ganja (cannabis sativa) é utilizada espiritualmente na Índia, assim como o estramônio, enquanto o bhang - um preparado a base de maconha - é consumido por todos durante o festival de Shivaratri, no qual celebra-se o casamento de Shiva e Parvati". Contudo, ele continua, "algumas substâncias alteradoras de consciência dentro de determinados ritos específicos nos fazem ter o gosto do além, mas não nos tornam senhores do transcendente."
Mas ao analisar o uso de substâncias alucinógenas pelo xamanismo, Mircea Eliade aponta uma bifurcação. Ele comenta que enquanto alguns autores afirmam que o uso dessas substâncias (mescalina, ayahuasca, peiote) foi o início e o auge das práticas xamânicas, outros colocam que a utilização dessas práticas representariam o declínio e o fim do xamanismo. Talvez possamos dizer que somente o uso de substâncias alteradoras da consciência - sejam elas o Ayahuasca ou a Cannabis - para se estabelecer o contato com o numinoso, poderia criar problemas. Porque mais uma vez estaríamos criando um padrão.
É claro que não podemos deixar de lado a questão das drogas enquanto um gravíssimo problema dentro da sociedade contemporânea. Onde o crime organizado infiltra tentáculos em lugares insuspeitos, como no judiciário, no legislativo, enfim, onde quer que se encontre uma fragilidade dentro do estado moderno. Muitas pessoas tem suas vidas destruídas pelas drogas (basicamente pela cocaína e seus derivados e pelo álcool) e o alvo mais fácil da investida dos traficantes é o público jovem, que ainda não possui informação suficiente sobre a vida, nem sobre si mesmo, e torna-se assim um alvo fácil; pois esse jovem encontra-se numa fase de difícil transição entre o mundo adulto (com suas responsabilidades e realidades) e o mundo infantil (com seus sonhos e fantasias).
Existe um livro bastante interessante onde a autora, Christina Grof, tenta fazer a conexão entre a necessidade da utilização de drogas e a necessidade de uma conexão espiritual. No livro ela coloca que o dependente, além de ser alguém que está sofrendo, também é alguém que procura o contato com o divino, embora não saiba como fazer isso. Partindo de um problema pessoal (ela era alcoólatra) a autora constrói um texto bastante interessante onde narra essa conexão, essa Sede de Plenitude... vale a pena ser lido.
Ao falarmos de Christina Grof, imediatamente nos lembramos do psiquiatra Stanislav Grof. Seu marido (ela foi alcoólatra antes de conhecê-lo). Uma das principais figuras dentro da Psicologia Transpessoal. Grof era o único médico dentro dos Estados Unidos que possuía a licença para trabalhar com o LSD - uma droga alteradora de consciência. Seu trabalho também trouxe grandes descobertas para a compreensão do ser humano, e os insights das chamadas Matrizes Perinatais Básicas (vide - Stanislav Grof, Além do Cérebro, Mcgrover Hill, 1989, São Paulo, SP.) foram muito importantes para a compreensão da consciência além e aquém do modelos normais. Essas Matrizes Perinatais ocorreriam em quatro diferentes padrões e cada um deles relaciona-se com um dos quatro períodos do parto biológico, onde o neonato passa por experiências físicas e sensoriais que se ligam a determinadas construções simbólicas e padrões psicoespirituais. Hoje ele faz o mesmo trabalho mas ao invés de utilizar o LSD utiliza uma técnica chamada hiperventilação cerebral, que produz um efeito parecido.
A grande explosão da questão das drogas se deu a partir dos anos sessenta onde o código era se ligar, e cair fora. Muitas pessoas buscando êxtases místicos fizeram viagens sem volta e muitas "voltaram" mas não conseguiram mais se adaptar a esse mundo. Por isso que certos textos avisam que o uso de substâncias alteradoras da consciência em qualquer tradição, assim como no Tantra, deve se dar na presença de um mestre.
Gopi Krishna, por sua vez, criticava duramente aqueles que associavam os estados místicos aos transes induzidos por drogas alteradoras da consciência. Para ele, esse tipo de erro era característico de uma conceituação equivocada que se encontra na base do que se chama uma verdadeira experiência mística.
Enfim, é muito importante que a pessoa que opte a realizar esse tipo de contato dentro de um ritual religioso esteja bastante clara em relação aos seus propósitos. Pois a experiência, por mais maravilhosa que for, não irá mudar o dia-a-dia tedioso de ninguém. E se esse for o caso, se a pessoa estiver achando a sua vida um tédio sem fim e pensar que ao utilizar substâncias alteradoras de consciência, esse tédio irá sumir como que um passe de mágica, essa pessoa com certeza terá problemas.
Inclusive o mais importante, o estado mais importante, é esse estado "comum". É esse agora. É desse ponto que as grandes transformações podem ser feitas. Dentro de um estado de consciência alterado você até pode experimentar certas singularidades, mas essas singularidades somente poderão ser trabalhadas de forma completa a partir de sua consciência normal.
Muitas escolas, como o Budismo, não utilizam de forma alguma nenhum tipo de alterador de consciência externo. Utilizam sim a meditação, e as escolas budistas de caráter tântrico, as técnicas especificas para isso.