mardi 10 juillet 2007



45. Paradigma
Mas como perceber esse infinito atual? Como entrar em contato com esse paradoxo, essa Shakti, que gira em torno do movimento, do tempo e do espaço, que o é. Como perceber e fagocitar a possibilidade do movimento a partir do rompimento da idéia da continuidade e divisibilidade infinita do tempo e do espaço? O tantrismo dá a dica ao mover-se em direção da necessidade de se devorar a divindade - assim como Cronos que cria e engole seus filhos. Comecemos pela figura do mestre. E ajamos de acordo com o ditado tântrico: ao encontrar o mestre, mate-o! Mate o eu, elimine o tempo. Seja.
Mas como fazer com que essa mente, que é a base desse eu, possa ficar livre do tempo? Como nos transformar em assassinos do tempo? Comecemos por parar... aqui e agora.
Comece pelo pessoal: meus apegos, minhas mágoas, meus projetos. Indague via percepção: mágoa, o que é isso?, apego, o que é isso?, meu, o que é isso? A percepção disso é o início de seu fim. A percepção desse agora é o início da morte do tempo.
O que encontra-se magoado é uma "imagem" que criei de mim mesmo numa determinada época e onde depositei uma determinada energia contendo dinamismos dolorosos classificados de mágoa. Essa imagem além de ter o prazo de validade vencido, não é.
E o pensamento é uma fábrica de imagens, que são colecionadas e utilizadas pelo eu na medida de uma circunstância ou necessidade. É como uma troca de roupa. Estou triste, quase chorando, alguém que amava se foi, ou algo parecido, uma pessoa chega e me dá uma carta onde está escrito que acabei de ser premiado com um milhão, instantaneamente um sorriso nasce em meu rosto, pulo de alegria, sou agora um milionário. Onde foi parar a tristeza? De onde veio essa alegria?
Meu eu simplesmente tirou de seu armário uma imagem de milionário que cabia em minha silhueta e guardou a que eu usava, a imagem de homem triste. Mas o que mudou? E o mais importante, o que continuou igual?
Mas novamente é importante estar atento e não deixar o tempo entrar sorrateiramente pela porta dos fundos. Não se trata de nenhuma "transformação". Não se trata de "isso" se "transformar" naquilo, isso evoluir para aquilo. Não é uma questão de "progresso espiritual"... termo bisonho e contraditório, pois se é progresso, envolve tempo, então não suporta o espiritual; e se é espiritual, está além do tempo e espaço, então progresso deixa de ter sentido.
Não há tempo, não há separação, não há mágoa. Essa sensação que percebo de dor nesse passado é somente uma duplicação de uma energia que está presente nesse exato momento, fruto do desconhecimento da realidade última, suprema. Esse cálice não deve ser afastado. Seja feita a vontade. A realidade de Mara é a sua ausência. Tudo isso está bem além - embora também o contenha - da esfera do mundo físico.
Durante o extermínio da cultura tibetana pelo governo da china comunista - fato lamentável que se estende há mais de cinqüenta anos - uma série de selvagerias foram realizadas contra o povo tibetano. Pessoas foram enterradas vivas, decapitadas em frente aos filhos, pais foram obrigados a matar os próprios filhos, filhos foram obrigados a assassinar os próprios pais, monges eram expostos ao sol com os intestinos para fora da barriga ainda vivos, monjas foram violentadas e sodomizadas com bastões elétricos, e uma interminável lista de atrocidades foram realizadas pelos chineses que visavam "libertar o Tibete do Imperialismo". Um holocausto de quase dois milhões de tibetanos se inscreverá em nossa história moderna.
E esse cálice não deve ser afastado... Essa, seja feita a vontade. Essa, realidade de Mara é a sua ausência, tudo isso foi realizado por muitos monges e monjas tibetanas durante suas intermináveis horas e diversas formas de tortura. Graças aos ensinamentos do Budismo Tibetano eles puderam, felizmente, aliviar em muito a impressão desses horrores em sua carne. Através de várias técnicas meditativas alguns puderam até ser assassinados pelo governo popular da china comunista em profunda beatitude.
Pois anulando esse tempo, anulamos essa mágoa. Transformando-nos em nada, o que sobra? Tudo. Ao contrário, quando buscamos um "progresso espiritual", ou coisa do gênero, continuamos lutando no que somos, continuamos dando voltas na roda. Então a percepção pelo Tantra desse infinito atual dá-se dessa forma. Instantânea.
Dentro da história da ciência do homem ocidental existem três momentos preciosos onde esse homem acordou, mesmo que momentaneamente: primeiro foi em Galileu, ao tirar a Terra como o centro do universo (dizem que ao se retratar - para não ser queimado vivo - perante a sagrada igreja católica ele mencionou baixinho: mas que ela gira, gira); depois foi em Darwin, que elevou a estória de Eva e Adão à categoria de mito, colocando o homem como um animal (o que ele também é); e por último foi em Freud, ao derrubar o ideal iluminista que via o homem como filho da razão, e anunciar o padrão Inconsciente / Sexualidade como orientadores primários da espécie.
Freud era um cientista, contudo, era também um homem muito supersticioso. A sua análise dos sonhos também pode ser vista como uma extensão de uma técnica oriunda do misticismo judeu, onde os sonhos são lidos. Ele ao estudar as ciganas polonesas que liam as mãos e adivinhavam o futuro, conjeturou que elas na verdade podiam "ler a mente" de seus clientes.
Contudo, Freud assustava-se bastante com as coincidências que aconteciam quando ele e Jung (na época em que ainda se davam) conversavam sobre assuntos ocultos. Barulhos estranhos e estalidos de madeiras eram os mais freqüentes. Posteriormente a psicanálise fez história assim como a psicologia analítica de Jung.
Entretanto esses dois gênios levantaram questões básicas e importantíssimas a respeito somente de uma determinada visão de mundo. Freud descartou o numinoso (talvez por seu medo do oculto) e Jung descartou a sexualidade (pelo menos em sua vida científica pois na sua vida particular a quase totalidade de suas amantes - que eram muitas - eram suas ex-pacientes, ou suas pacientes). Como sempre a questão sexual, a questão do divino, e a questão do saber estavam presentes nas três quedas, de Galileu, de Darwin e de Freud.
Antes de Galileu, Copérnico já havia colocado o sol de volta ao centro do universo (digo de volta porque antes dele, Aristárco o havia feito) - como sabemos o nosso sol encontra-se no centro de nossa galáxia - mas Copérnico o havia feito motivado por razões questionáveis, pois insatisfeito com o modelo de Ptolomeu - que usava o dogma platônico do movimento circular uniforme nos dogmas celestes - Copérnico propôs o abandono do mesmo e a colocação do sol no centro, mas para adaptar essa nova teoria às idéias platônicas ele retornou aos pitagóricos e seu modelo de fogo central. Foi bem posteriormente, com Galileu, que a noção do sol como centro do universo tornou-se fato científico - e não meras conjecturas.
Mas o Tantra vai além e propõe que o sexual é o poder divino (Shakti), que o sexual é conhecimento (Jñana) - não meras conjecturas. Mas um sexual que abole o tempo, e em conseqüência, abole o eu.
Em Galileu o deslocamento da terra como centro do universo e a posterior descoberta de que ela era um pequena "rocha" que girava em torno de uma estrela de quinta grandeza, foi importante para solapar do homem religioso da idade média a sua soberba divina, a sua hipotética e fantasiosa noção de que o homem era o centro, a causa, a origem de tudo (através de deus e da igreja, é claro).
Com Darwin novamente essa soberba religiosa (que ainda existia e que existe até hoje) foi chacoalhada. O homem (também) é um animal. Sua evolução deu-se a partir dos primatas e a costela de Adão foi poupada. Entretanto muitas pessoas religiosas contestam Darwin até hoje - um caso curioso ocorreu na terra de Marlboro, onde um professor, na década de cinqüenta, foi preso por ensinar aos seus alunos a teoria da evolução de Darwin! Lamentável para não dizer patético.
Por fim, Freud deu fim a noção iluminista que o homem era um ser racional. A absurda selvageria que ele viu ocorrer na primeira guerra mundial o fez criar um texto belíssimo onde ele revê essa noção de racionalidade do homem. Pois seres racionais não mandam outros seres (e se esses outros fossem racionais talvez não obedecessem) para morte por uma simples questão de propriedade - o motivo básico de todas as guerras.