lundi 9 juillet 2007



31. Vigiar e punir
Os objetivos tântricos não são vigiar e punir o que for considerado errado ou mau em nosso comportamento, em nosso ser. O objetivo é perceber quais os caminhos que usamos para safar-se de nós mesmos, quais as rotas de fuga que usamos para escapar da realidade. Pema Chöndrön conta uma interessante estória que havia escutado de uma amiga que era índia. Descendente de Cherokees, a avó dessa amiga que lhe contou a estória, costumava levar a ela e a seu irmão ainda pequenos para caminhar e observar os animais. A avó então dizia: "Se vocês ficarem imóveis, poderão ver alguma coisa. Se ficarem bem quietos poderão ouvir algo. Se ficarem em silêncio poderão sentir". Pema Chöndrön dizia que ela nunca usava a palavra paciência, e foi essa lição que eles aprenderam. E porque ela nunca usava essa palavra? Porque paciência liga-se ao tempo. E o dado em jogo estava além do tempo, do espaço, da mente.
O descondicionamento através do Tantra nos tira de uma dimensão onde se encontram várias pessoas idênticas a nós. Vários opostos de nós mesmos. Esses opostos atendem pelos nomes de prazer e dor, perda e ganho, prestígio e desonra, louvor e culpa, e são eles que nos mantém ligados a roda.
Estamos bem e vem o nosso duplo, o prazer, nos abanar, ou o nosso duplo, o ganho, massagear nossos pés, ou o nosso duplo, o prestígio, e nos elogia, ou o nosso duplo, o louvor, e nos diz como é que nos somos realmente uma pessoa boa.
Mas se estamos mal, vem o nosso duplo, dor, e nos critica, ou o outro duplo, perda, e nos desanima, ou o outro duplo, desonra, e nos chama de covarde, ou o outro duplo, culpa, e nos arranca os olhos.
No tantrismo somos levados a perceber essa fábula, esse pesadelo, esse teatro, que acontece todo o tempo naquilo que chamamos de mente. Somos então levados a encarar que as nossas "variações" relacionam-se simplesmente com a maneira como interpretamos o que nos acontece. Um simples conjunto de letras, IMBECIL, pode desencadear em nós uma serie de emoções que se desdobram numa rapidez estonteante. E como isso se dá? E porque isso se dá? Se isso acontece durante um sonho o que fazemos? Se uma cobra aparece em nossa frente durante um sonho corremos gritando assustados e de manhã rimos do fato enquanto tiramos a remela de nossos olhos.
O Tantra solicita que percebamos esses pares de opostos. Que sintamos que eles giram sempre em torno de ganhar ou perder, uma versão da dupla instintiva lutar ou fugir. Solicita que observemos essa dupla. Esse Abott e Costelo, esse gordo e o magro, que criamos a cada instante. Que através de suas tristes palhaçadas nos contam como estamos adormecidos.
É muito comum e prazeroso nos sentirmos bem frente a um elogio. "Sim, fiz um bom trabalho" - pensamos. Mas um bom trabalho é a nossa essência. Não há porque ficar feliz com isso. Nem com uma crítica ao nosso "trabalho ruim feito as pressas", porque isso significa a nossa ignorância. Nossa letargia. Mas está tudo ai.
Somos elogiados por sermos pessoas altamente espiritualizadas e pronto, surge mais um padrão, pois sentimo-nos pessoas MUITO humildes, padrão que nos derruba do cavalo do dharma mais uma vez. Aproveitemos o tombo e vamos perceber que o chão não existe, nem o cavalo, nem nós... nem o dharma.