mardi 10 juillet 2007


57. Processo
Segundo o Budismo Tibetano existem três práticas fundamentais para morrer: permanecer na natureza da mente, praticar o Phowa (transferência de consciência) e confiar nos seres iluminados. Os grandes mestres do Dzogchen morrem como uma criança recém-nascida. Os praticantes de nível médio que possuem melhor capacidade morrem como mendigos na rua. Ninguém os perturba nem os incomoda. Os de capacidade média morrem como animais selvagens. Vão para um canto da selva e lá esperam.
Os ensinamentos tântricos explicam que na morte, nossa consciência navega um vento e assim necessita de um canal para deixar o corpo, uma espécie de abertura. Existiriam nove aberturas e cada uma relaciona-se com o reino onde acontecerá o próximo renascimento. E essa liberação no momento da morte consistiria, de uma forma resumida, em perceber a natureza de Luz e não "cair" novamente no ciclo de renascimento.
No exato momento da morte nossa construção conhecida como eu despedaça-se de forma drástica. Então, um nível sutil de consciência "continua" e atravessa os chamados bardos, e tudo o que é "percebido" nesses bardos, nesses estados específicos, todas as divindades pacíficas e iradas, todos os deuses e demônios, todos os deleites e sofrimentos são "criados" unicamente por nós mesmos.
Por isso que na morte, se conseguirmos manter uma realização estável da natureza da mente por um só instante, purificaríamo-nos. Se conseguíssemos manter essa realização - percebendo a vastidão da pureza primordial da natureza da mente - atingiríamos a iluminação.
Divide-se em dois processos esse morrer: um externo, onde os sentidos e os elementos dissolvem-se; e um interno, onde os estados e pensamentos densos e sutis dissipam-se. A dissolução desses processos dá-se de forma que grupos de aspectos interrelacionados (de nosso corpo e mente) desintegram-se simultaneamente.
Quando os ventos dissolvem-se as funções corpóreas e os sentidos falham, os chakras entram em pane e em seqüência os elementos se dissolvem - do mais denso ao mais sutil. Cada estágio possui uma contrapartida e um efeito físico e psicológico que são sinais físicos externos e experiências internas.
E quando os sentidos não mais funcionam, segundo Sogyal Rinpoche, começa a primeira parte do processo de dissolução. As próximas fases dividem-se em quatro. É a dissolução dos elementos: terra, perde-se a força corporal com a exaustão de nossa energia. Nossa mente delira e se agita e logo caímos no sono. O sinal secreto que "aparece" na mente é uma visão de uma miragem tremeluzente; água, os fluidos não são mais controlados e "sente-se" muita sede. As sensações do corpo são reduzidas e existe uma alternância entre opostos, tais como, muito calor e muito frio, muita dor e muito prazer. Nossa mente torna-se enevoada e o sinal secreto é o aparecimento de uma "neblina"; fogo, o calor corporal começa a dissipar - a partir dos pés e das mãos e por último o do coração - e nossa mente alterna-se entre confusão e claridade. O sinal secreto são centelhas que dançam sobre um fogo aberto; ar, a respiração torna-se quase impossível. O agregado do intelecto se vai e a mente não mais percebe o mundo exterior. Vem-se as alucinações e as visões que corresponderão com os tipos de energias que nos conectamos e produzimos durante a vida - boas ou ruins. O sinal secreto é uma tocha incandescente com um fulgor vermelho. A inspiração torna-se rasa e a expiração longa. O sangue então penetre no canal da vida no nosso coração, três gotas de sangue juntam-se e originam as três exalações finais. Então, de súbito paramos de respirar. Embora ainda haja um leve calor no coração clinicamente estamos mortos.
Contudo o processo ainda continua. Dá-se então o início da dissolução interna onde as emoções densas e sutis dissolvem-se. As duas essências básicas, do alto da cabeça (branca) e abaixo do umbigo (vermelha) evoluem então para o próximo passo. A branca desce pelo canal central até o coração, onde dissolvem os pensamentos resultantes da raiva, a vermelha sobe e dissolvem-se os pensamentos relacionados com o desejo.
Do encontro das duas essências no coração, os sete estados de pensamentos resultantes da ilusão e da ignorância terminam. Surge então a Clara Luz da Morte - na medida que nos tornamos novamente "conscientes". A percepção dessa Clara Luz como tal, possibilitaria a "quebra" do ciclo de existência.
Para Sogyal Rinpoche a percepção dessa Luminosidade é a maior possibilidade para a libertação. Mas o que normalmente acontece é que tendemos a reagir a partir de nossas "velhas" percepções - pois embora as emoções negativas tenham se dissolvido, os "hábitos", os padrões anteriores, ainda permanecem. E essa "nossa" mente ordinária não se reconhece na Clara Luz e "foge" com medo.
Sogyal Rinpoche compara a nossa mente ordinária a uma porta de vidro que impede que caminhemos rumo à natureza de nossa mente. E alguns mestres aconselham aos praticantes de meditação a não vir a confundir a experiência da base da mente ordinária com a verdadeira natureza da mente. Pois seria semelhante a olhar para o espaço de dentro de uma caixa de vidro e olhar para ao espaço do lado de fora da caixa. É esse "vidro" que retém as velhas percepções, os velhos hábitos, os padrões anteriores.
Para um praticante, a Luminosidade Base dura enquanto ele puder "repousar" nela. Mas para a maioria das pessoas ela dura um piscar de olhos. E por não conseguir reconhecer essa Luminosidade Base, por não conseguir "suportá-la", a maioria das pessoas mergulha numa inconsciência que pode durar até três dias e meio. Então, finalmente, a consciência deixa o corpo.
Somente um praticante experiente conseguirá manter plena consciência e se fundir com a Luminosidade Base (atingindo assim a iluminação) quando esta emergir da morte. Normalmente esse ponto escapa e segue-se o próximo bardo, o bardo luminoso do dharmata. "A verdade nua e incondicionada." - ensina Sogyal Rinpoche.
Esse bardo divide-se em quatro fases que apresentam novas possibilidades de liberação. Luminosidade é a primeira fase - o espaço então dissolve-se na luminosidade. O nosso "mundo" conhecido funde-se numa paisagem de luz que tudo abarca. União é a segunda fase - raios e cores individuais integram-se em "bolas" de luz (tiklé) de diferentes tamanhos. Essa fase também é conhecida como luminosidade dissolvendo-se na união. A luminosidade manifesta-se tais como budas e deidades de diferentes tamanhos, cores e formas, onde de seus "corações" saem raios finos de luz e que se ligam ao "nosso" coração. Esferas de luz girando aumentam de tamanho e tudo isso dissolve-se em "você". A terceira fase é a Sabedoria - caso novamente a percepção fracasse em reconhecer e conseguir a estabilidade nas etapas anteriores, segue-se a chamada união dissolvendo-se na sabedoria. A próxima chama-se Presença Espontânea - a fase final desse bardo. Somente um praticante qualificado poderá experiênciar essas fases e percepções.
O próximo bardo é o Bardo do Vir-a-Ser. E como não conseguimos reconhecer a Luminosidade Base e o Bardo do Dharmata, todos os nossos "padrões" adormecidos são novamente ativados. E nesse bardo dá-se no período entre esse "redespertar" e nossa nova vida. Se no bardo anterior tínhamos um corpo de luz agora temos um corpo mental. Esse é o chamado bardo karmico pois somos atraídos à esferas que relacionam-se com os tipos de energias que acessamos anteriormente. Dá-se então um processo inverso ao da dissolução na morte. Os ventos "surgem" trazendo os estados de pensamento relacionados com a ignorância, o desejo e a raiva.
O Budismo Tibetano ensina que esse corpo mental possui todos os seus sentidos, além de uma consciência de percepção altamente clara. É dotado de uma espécie de capacidade de perceber o pensamento "alheio". Não consegue manter-se imóvel e consegue "ver" a tridimensionalidade - mas como uma massa turva. Pois ainda não possui as gotas femininas e masculinas para ver claramente "através" do sol e da lua. Pode ver os seres de outro bardo, e somente os seres vivos clarividentes podem percebê-los.
Sentirá fome por já possuir os cinco elementos, "vive" de odores e "tira" alimentos de oferendas. Porém só serão beneficiados caso as oferendas sejam em seu "nome". A mente perpetua os padrões e hábitos anteriores e não percebemos que estamos mortos. Tentamos então nos "comunicar" com a esfera dos vivos. Vem a raiva e a frustração. Quanto mais apegado a "matéria" mais dificuldade haverá para resolver essa questão.
As experiências da vida passada são revistas e reexaminadas. E a cada sete dias voltamos a experiênciar o tipo de morte que tivemos com todas as suas impressões. Seguimos como se estivéssemos num sonho, ou melhor, num pesadelo. Ansiamos por um corpo físico mas fracassamos ao tentar "escolhê-lo". Isso ficará a cargo do nosso karma. E nesse "julgamento" somos o juiz, os fatos, as provas, as defesas, as testemunhas, os jurados, o promotor, o advogado de defesa e o réu.
Diferentemente do estado do dharmata, nesse bardo os estados transcendentes, os reinos búdicos, não aparecem "espontaneamente". Teremos que nos esforçar para nos lembrar deles caso queiramos aproveitar essa última possibilidade de iluminação antes de cairmos novamente na roda. Mas basta uma única lembrança de uma prática, que o poder da mente nesse bardo nos "leva" instantaneamente à esfera correspondente.
A ânsia cada vez maior por um corpo material é uma indicação de que o "nascimento" novo se realizará. Luzes de cores variadas começaram a se manifestar e dependendo do seu karma você será "sugado" para dentro de uma delas. E esse nascimento futuro estará diretamente ligado ao seu nível de desejo, de raiva e de ignorância. Caso você consiga direcionar-se e ser direcionado para um novo nascimento humano, fecha-se o círculo. Começa então a vida e dissolve-se a Luminosidade de Base.