lundi 9 juillet 2007



9. Não confie num deus que não sabe dançar!

A dança é um uma ancestral forma de magia - é um ato criador. Ela leva ao transe, ao êxtase, à transcendência, à compreensão da própria natureza secreta, e a fusão com a essência divina. O que pode ser conseguido através da prece, da meditação, do jejum, pode-se também - e talvez mais profundamente - através da dança... tântrica.

Esse deus dançante representa-se com um tambor em uma das mãos, significando o pulsar cósmico, e na outra, onde os dedos formam uma meia lua, o fogo repousa em sua palma. Fogo enquanto elemento básico de purificação que no final dessa era aniquilará tudo e então se extinguirá no oceano do vazio.

O equilíbrio das duas mãos mostra a harmonia entre o criar e o destruir no bailar cósmico. A segunda mão direita aciona o mudra "não temas" (abhaya) e a segunda mão esquerda, aponta para baixo, indicando que a liberação através de sua dança é a saída, o refúgio. Shiva dança sobre purusha, sobre o corpo de uma besta, um animal, sobre o corpo da ignorância, dança sobre nosso corpo, na mesma proporção que Shakti dança sobre o corpo de Shiva. Um anel de chamas diamantes circunda o deus mostrando o universo, então, sendo, via dança de Nataraja. Significa também a energia da sabedoria universal que emana - contêm e está contida - no todo. Assim como o bija-mantra essencial, OM, ou AUM, onde A representa o estado desperto da consciência, U o estado de consciência onírica e M o sono sem sonhos (só possível ao iniciado) e a condição indiferenciada.

Esse dançarino cósmico personifica e manifesta a energia através de cinco atividades, cinco purificações (pañca-krya): criação, preservação, duração, destruição e reabsorção. Atividades também presentes nos exercícios tântricos. Assim Shiva é Kala, O Negro, O Tempo, é Mahakala, a eternidade, é Kalachakra, a roda do tempo. Em sua face um sorriso indiferenciado exprime uma refutação e uma aceitação silenciosa de todos os opostos, e seus cabelos, em parte soltos e em parte presos, mostram que a força, a beleza e a sedução devem ser equilibradas.

Mas como já havíamos mencionado, o tantrismo é basicamente um processo. E todo esse arcabouço teórico e mitológico serve apenas para que se entre em contato com aquilo que o Tantra pode ser. Analogamente, poderíamos usar a imagem de um livro de receitas de torta de chocolate que em relação a torta em si, perde todo o sabor.

Mas por isso mesmo o que Tantra foi um movimento de base. Seus primeiros mestres e mestras vinham das camadas mais humildes da população. As primeiras tantrikas eram lavadeiras, mulheres do povo. Eram pescadores, marceneiros, prostitutas, caçadores e vendedores ambulantes. O abstracionismo de elucubrações intelectuais, puramente mentais, eram substituídas por processos práticos. Ligados ao aqui e ao agora. Como que para mostrar de forma explícita o conceito o que está em cima é igual ao que está em baixo. E o surgimento do Tantra enquanto um caminho específico se deu basicamente devido a necessidade de uma via que realmente funcionasse na nossa era – a era das trevas.

Podemos situar-nos então afirmando que o Tantra foi uma corrente filosófica revolucionária de caráter espiritual que se propagou pela Índia e que influenciou o Hinduísmo, o Yoga, os Upanishads, os cultos de Vishnu e os cultos de Shiva, além de ramificar uma nova corrente no Budismo - o Vajrayana. Julius Evola percebia o tantrismo como uma extensão dos ensinamentos tradicionais contidos nos Vedas e o classificava como o "quinto" Veda.

As principais "vítimas" dessa revolução tântrica foram, o ritualismo vazio, as especulações de caráter sofista, as mortificações e penitências, e todo o ascetismo em geral. Pois o Tantra busca a experiência direta, busca a realização prática, a ação, e não somente a contemplação.

A prática (sadhana) é o principal no caminho tântrico. Essa prática visa a união de purusha e de prakrti, visa a união dos dois princípios cósmicos para despertar suas forças. Mas não se trata de uma simples filosofia vazia que circula em volta de si mesma. É uma filosofia atuante que utiliza a percepção do agora através do corpo para se fazer o todo presente através desse aqui e agora que nos convida a ser em cada respiração.

Pois o corpo tem uma importância fundamental durante os processos tântricos por vários motivos: o primeiro ponto é porque o homem está demasiadamente ligado em seu corpo físico, biológico, e nem sequer imagina que pode haver outros corpos além desse... mesmo corpo; o segundo, por se relacionar com o caráter desintegrativo da época contemporânea.

Heinrich Zimmer faz uma interessante analogia ao montar a imagem do touro do dharma sustentando-se por apenas uma pata em nossa época (ele havia perdido as outras patas nas épocas anteriores). Mais adiante falaremos mais sobre isso.

Kali, que dormia nas épocas precedentes, agora desperta para cumprir a sua missão. Essa deusa é de suma importância dentro do tantrismo e representa as forças elementares, básicas, que a partir do aforismo tântrico de transformar veneno em remédio são trabalhadas pelas escolas da mão esquerda.

O terceiro ponto são os "ideais" tântricos de liberdade e liberação. O Caminho daquele que se encontra liberado e libertado em seu próprio corpo. Se em outras escolas os caminhos se excluem, no Tantra eles se juntam. E finalmente, o último ponto de grande relevância dentro do tantrismo é o "culto" a Shakti. A representação máxima do feminino, da deusa, através de epifanias tais como Kali, Durga ou Tara.