33. Jogos da mente

Os poderes em si mesmo não são os grandes objetivos do tantrismo. Nem das escolas iniciáticas verdadeiras. Dentro do budismo eles são considerados mais uma brincadeira dentro do samsara. Contudo, até mesmo o Buda - após a sua iluminação - os realizou. Ao visitar sua cidade natal mostrou alguns poderes especiais para indicar que sua realização interna se estendia até o mundo fenomênico. Levitou, curou enfermos e cortou os próprios membros em pedaços para em seguida reuní-los, diante de olhares estupefatos. Como outro exemplo desses poderes podemos citar a contenda mágica de Milarepa e Naro Bom Chung ao realizarem a corrida do vôo mágico.

Em meio a esses poderes temos também os ritos mágicos que são exercícios para se potencializá-los. Encontramos no Tibete um ritual tântrico chamado tchoed (gtchod), de caráter xamânico, onde a própria carne (ilusão fenomênica) é oferecida para ser devorada por demônios (ignorância). Onde a experiência básica e mitológica da morte e ressurreição é revivida, além de um trabalho interno com a própria noção de realidade e irrealidade, onde busca-se dissolver o medo percebendo-se o vazio primordial de todas as coisas.

Outras meditações tântricas apresentam um processo de despojamento da carne do corpo e a contemplação do próprio esqueleto. O tântrico é solicitado a perceber seu corpo como um cadáver e sua mente como uma deusa irada que tem uma face e duas mãos que seguram uma faca e um crânio; em seguida, deve imaginá-la decapitando o cadáver e cortando o corpo em pedaços, posteriormente deve jogar os pedaços no crânio (Vazio) e oferecer as divindades (Existência). O objetivo desse ritual é novamente fazer com que seja percebida a Realidade.

Uma outra meditação, consiste em fazer o iniciado transformar-se numa dakini irada que "arranca" a própria pele e a estende para cobrir todo o Universo. Sobre ela então amontoar seus ossos e carnes. E quando os maus espíritos (a ignorância) estiverem em pleno regozijo, o iniciado deve imaginar-se como essa dakini irada pegando essa pele, enrolando-a e precipitando-a na terra com todo o seu conteúdo. Uma horda de animais selvagens devorará então esses restos.

É claro que todas essas meditações são de caráter avançado e que para terem "efeitos" e serem consideradas como tal, devem ser realizadas dentro de determinadas circunstâncias por discípulos que já tenham sido iniciados em outras etapas mais básicas, além de necessitarem - fator indispensável - da presença de um mestre.

Um outro tipo de poder é o chamado calor místico. Esse calor é gerado através de práticas respiratórias e pela transmutação da energia sexual. É muito utilizada como prova iniciática onde o neófito deve secar sobre o corpo nu, em meio a neve, um grande número de lençóis encharcados durante uma noite de inverno. E eles o fazem. Semelhantes demonstração de poder, Jesus, o Cristo, também realizou para fazer com que os incrédulos percebessem o reino dos céus.

Mas todos esses poderes e meditações são parecidos com uma mãe que brinca com um bebê fazendo desaparecer e reaparecer um cubo colorido sob um pano branco - a percepção da criança ainda encontra-se em desenvolvimento e ela não consegue perceber o truque, a mágica.