mardi 10 juillet 2007


44. Templo sagrado
No Hevajra-Tantra lemos que sem um corpo sadio não é possível conhecer a beatitude. E esse corpo sadio vai muito além do equilíbrio harmônico de suas partes, vai além de um bom funcionamento de todos os seus processos biológicos internos, esse corpo sadio também significa perceber a experiência total da vida através dele. Além da necessidade de um domínio do mesmo para transformá-lo num corpo divino através da união do sol e da lua internos.
Além do corpo físico dentro do Tantra considera-se também que o mesmo constitui-se de agregados (skandhas), que por sua vez constituem toda a nossa existência mental e física. Neles se baseiam os apegos do ego e o sofrimento de nossa existência cíclica: forma, sentimento ou sensação, percepção ou reconhecimento, intelecto ou formação e consciência. Representam a estrutura constante da nossa psicologia e relacionam-se com "nós" em vários níveis, espirituais, materiais e emocionais.
Dentro do tantrismo existe também uma fisiologia própria onde o corpo é constituído por um certo numero de nádis (canais) e de chakras (centros de força). A energia circula por entre eles; a energia vital circula pelas nádis e a energia cósmica se encontra latente nos chakras. Existem três nádis principais, embora existam milhares deles, que são: ida, pingala e susumna. As duas primeiras correspondem ao sol e a lua, respectivamente ao masculino e ao feminino, ao sêmen e ao óvulo, a Shiva e a Shakti, ao Buda Primordial e a sua consorte. No Sammohana-Tantra temos a explicação de que o nádi da esquerda representa a lua devido a sua natureza doce e o da direita o sol, devido a sua natureza forte. Existe um paralelo curioso com a abordagem neurológica que situa a criatividade e as noções abstratas ao lado esquerdo do cérebro e a lógica e as noções concretas ao lado direito.
Esses dois nádis, ida e pingala, transportam o que no Tantra é conhecido como prana e apana; o primeiro é rahu (o demônio que engole a lua), e o segundo é o fogo do tempo; ou seja, por meio de determinadas técnicas respiratórias pode-se “controlar” o tempo e o espaço. E temos sussumna que corresponde ao canal principal. No tantrismo sussumna é considerado o caminho para o nirvana; e através de técnicas respiratórias específicas o caminhante é orientado à “misturar” o sol com a lua para que juntos possam extinguir o mérito e o demérito e obter a grande beatitude.
Em seguida temos os chakras, que na tradição indiana são sete e na tibetana são cinco. A diferença situa-se no fato que a linhagem indiana subdivide o primeiro e o último em dois.
O primeiro é o muladhara (mula - apoio, adara - raiz) e situa-se na base da coluna vertebral entre o orifício anal e os órgãos genitais. Segundo as tradições, possui a forma de um lótus vermelho com quatro pétalas onde se encontram quatro letras do sânscrito; em seu meio vemos o emblema do elemento terra, um quadrado amarelo que possui um seu centro um triângulo invertido, simbolizando a yoni (literalmente o órgão sexual feminino), no coração desse triângulo temos um linga (literalmente o órgão genital masculino). Enrolada tal qual uma serpente em volta de si mesma, temos a kundalini “obstruindo” com sua cabeça a abertura do lingan, fechando assim a “porta de brahman" e o acesso a sussumna. Esse chakra está relacionado à força coerciva da matéria, a inércia, ao nascimento do som, ao sentido do olfato, a respiração apana e aos deuses Indra, Brahmã, Dakini e Shakti. Relaciona-se ao bija-mantra lam.
O segundo chama-se Svadhisthana (sva - próprio, adhishthana - base) ou Jalamandala (jala - água, mandala - círculo). Situa-se na base do órgão gerador masculino (e feminino) e possui a forma de um lótus com seis pétalas de cor vermelho-alaranjado onde encontram-se seis letras sânscritas. Em seu centro existe uma meia lua branca e no meio dessa lua vemos um bija-mantra em cujo o centro está Vishnu flanqueado pela deusa Shakini. Relaciona-se com o elemento água, a cor branca, a respiração prana, ao sentido do gosto e ao bija-mantra vam.
O terceiro chakra chama-se Manipura (mani - jóia, pura - fortaleza). Situa-se na região lombar, na altura do umbigo, e possui a forma de um lótus azul de dez pétalas com letras em sânscrito em cada um delas. Em seu meio está um triângulo vermelho e sobre ele o deus Maharudra sentado sobre um touro, tendo ao seu lado Lakini Shakti de cor azulada. Ele relaciona-se com o elemento fogo, com o sol, o rajas, a respiração samana e o sentido da visão. Relaciona-se ao bija mantra ram.
Anahata (não tocado) é o quarto. Situa-se na região do coração. De cor vermelha, possui doze pétalas douradas. No meio há dois triângulos dispostos tal qual o selo de Salomão e no centro desse encontramos outro triângulo dourado contendo um linga brilhante. Acima dos dois triângulos está Ishvara associado a Shakti Kakini. Relaciona-se com o elemento ar, ao tato, ao falo, a força motriz e ao sistema sangüíneo. Relaciona-se ao bija-mantra yam.
O quinto chakra é conhecido como o chakra da pureza, Visuddha, e encontra-se na região da garganta. Tem a forma de um lótus com dezesseis pétalas de cor vermelho-acinzentado e em seu interior temos um espaço azul, símbolo do espaço (akasha); tem no meio um círculo branco contendo um elefante, e acima desde há um bija-mantra (hang) sustentando Sadashiva (metade prata e metade ouro) sentado em um touro e segurando uma série de objetos que lhe são característicos (vajra, trimurti, sinos...). Relaciona-se com a cor branca, com o espaço (akasha), com a audição e com a pele. Liga-se ao bija-mantra ham.
Ajna (comando, ordem) situa-se entre as sobrancelhas. Esse sexto chakra tem a forma de um lótus branco com duas pétalas. É a sede das faculdades cognitivas. No centro do lótus há um triângulo branco com o vértice invertido (simbolizando a yoni) e em seu meio está um linga branco. O bija-mantra é o om. Relaciona-se com a deusa Hakini.
Sahasrara (ó de mil pétalas) é o sétimo. Localiza-se no topo da cabeça e tem a forma de um lótus virado para baixo. Possui mil pétalas e em seu centro temos uma lua cheia que encerra um triângulo. Nesse chakra temos a “união” final de Shiva e de Shakti, a finalidade do sadhana tântrico. Nesse chakra desemboca a kundalini depois de ter passado pelos outros seis chakras. Ele não mais pertence ao nível do corpo pois já está relacionado com os níveis transcendentes.
Mas todas essas imagens são metáforas, são projeções, para serem desvelados pelo neófito de acordo com a sua progressão no caminho. E de nada adianta conhecer e decorar os nomes, símbolos, e afins, se a pessoa não percebê-los. Pois todas essas "leituras" de chakra são percepções... dos mestres. São símbolos, "interpretações". São construções, são meios... e em si nem existem realmente. Para aprofundarmos mais esse ponto teremos que nos remeter as primeiras relações feitas pelo homem, entre o cosmos e a sua existência biológica terrena. Dentro da leitura do sagrado, ambos eram um só processo que se refletiam. A partir da descoberta das cincos esferas visíveis (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) a olho nu que se moviam entre as estrelas fixas seguindo a rotação "traçada" pelo Sol e pela Lua, deu-se o primeiro esboço daquilo que viria a ser transformado no esquemas dos chakras. Mais tarde, a isso foi acrescentado os insights dos mestres e a relação dos chakras com as glândulas de todo o corpo, a partir da pituitária; suas funções físicas e sutis, suas relações com determinadas dimensões, assim como as relações lunares e solares refletidas no corpo biológico.
Podemos relacionar os chakras com a fisiologia do corpo da seguinte maneira: o primeiro chakra relaciona-se com o plexo sacrococcigiano, o segundo com o plexo do sacro, o terceiro com o plexo epigástrico, o quarto com o plexo do coração, o quinto relaciona-se com o plexo laríngeo e faríngeo e o sexto com o plexo cavernoso. Existem outros chakras “menores” como o das mãos e dos pés, e todo o complexo de chakras na verdade constituem um mandala e o corpo, no microcosmo, relaciona-se com o Todo, o macrocosmo.
O poder que, ao acionado, atravessa esses chakras pela sussumna é a kundalini. “A kundalini é a guardiã da evolução humana. Tradicionalmente ela é conhecida como Durga, a criadora, Chandi, a feroz e Kali a destruidora. É também Bhajangi, a serpente. Como Chandi ou Kali, tem uma guirlanda de crânios em volta do pescoço e bebe sangue humano. Que pode haver de divino atrás dessa hedionda descrição? Que terá levado os antigos mestres a fazerem tão horripilantes retratos da deusa? É verdade que tida ao mesmo tempo como criadora e destruidora, no sentido cosmológico, ela só podia ser representada sob um aspecto terrífico quando no segundo papel. Então, porque a serpente que pica, porque Chandi, a feroz? Há uma profunda significação, não apenas nesses terríveis retratos de Shakti, mas também em muitos outros rituais e cerimônias do culto tântrico, assim como outras formas de iniciação no culto.” – explica Gopi Krishna.
Dentro da mitologia indiana vemos que a deusa Shakti foi criada a partir da energias ígneas de todos os deuses. Dentro do Tantra percebemos que todos os deuses originam-se de Shakti. De forma semelhante o processo de elevação da kundalini relaciona-se com todo o processo de expansão da consciência. Todos os chakras por onde ela passa referem-se aos estados psicocósmicos que necessitam ser transcendidos e completados.
Para acelerar a ascensão da kundalini certas linhagens tântricas combinam asanas (posturas do yoga) com práticas sexuais específicas. E esse despertar ocorre com a combinação de técnicas respiratórias com a retenção masculina e o “aproveitamento” da energia gerada.