50. Normas mornas
Essa "vivência" tântrica é uma... conseqüência. Uma espécie de produto alquímico do eu com o isso. Onde eu e você, onde eu e o mundo, nos misturamos e nos tornamos únicos. Apesar de tudo o que possa estar ocorrendo.
Pois se há uma pedra no caminho joguemos ela num lago é percebamos a beleza das ondas circulares que se estendem ao infinito. Essa percepção que se estabelece nesse processo é a realidade. É esse agora. E todo esse novo momento que é percebido, todo esse mundo novo que se é visitado não passa do "velho" mundo que conhecíamos, mas que parecia sem graça, meio nebuloso, devido a escuridão. Semelhante a voltar para casa de noite e não localizar o interruptor na parede. Tudo fica meio confuso, tropeçamos em objetos que havíamos deixado no caminho e havíamos esquecido. Mas logo que acendemos a luz... pronto. Fica tudo claro.
É essa claridade que se estabelece num processo tântrico. E toda a nossa percepção se dá a partir de uma nova dimensão - embora em si seja a mesma. Todos os toques, cheiros, olhares, sabores e sensações em vários níveis... purificam-se. Onde percebemos que todos os sentidos estão não mais interpretando, mas sentindo. Onde eles ficam sendo.
E onde está o limite desse processo todo? Em nós. O livre fluir de tudo aquilo que somos, esse sentir, é realizado - ou não - por nossa causa. Nada de traumas, bloqueios, condicionamentos, passado, essas coisas. É apenas uma questão de querer ou não.
Pois esse caminho tântrico é uma forma de processar a vida e suas infinitas possibilidades que somos nós. E tudo aquilo que não nos permitimos realizar, tudo aquilo que não nos permitimos curar, é um pedaço de nós mesmos que está sendo negligenciado. É um perder o contato com uma parte que continuará ali de alguma forma "reclamando" seu espaço. É gerar desnecessariamente uma divisão. Uma divisão em nós mesmos.
Porque estando realmente nesse processo geraremos o contrário, perceberemos partes nossas que não sabíamos que existiam. Visitaremos lugares que não sabíamos que estavam ao tempo todo a nossa volta. Sentiremos de forma nova e lúcida toda essa irrealidade maravilhosa que nos forma. Criar é descobrir e descobrir é curar o que se encontrava oculto. É ser, estar, comungar, é amar. Criar é Amor. Criar é não morte.
Somos o único tipo de animal do planeta que pode recriar-se. O único que pode perceber que é feito de luz. E o erotismo sagrado é perceber-se vivo em constante mutação, fora dos automatismo e condicionamentos embrutecedores e emburrecedores. É nos transformarmos a todo o momento nos filhos de nós mesmos, e nos parirmos a cada instante. É utilizar a capacidade de luz e força presente no sexo para sermos. Permanecemos assim sempre grávidos daquilo que podemos ser... cada vez mais. Essa luz convida-nos a fazer o nosso próprio parto. Nós assim somos uma metáfora de Eros, de Dionísio, de Shiva/Shakti.
E se esse "outro" também sou eu, não há impedimento para que esse fluxo não seja. E se esse outro não sabe disso, podemos - caso tenhamos já realizado isso - mostrá-lo. Podemos segurar a sua mão e sorrir. Podemos abraçá-lo carinhosamente. Podemos apenas ouvi-lo. Embora a abertura final caiba a ele.
A partir do Tantra teremos acesso a toda uma integração (motora, sensitiva, afetiva, sexual e divina). E todas essas portas devem ser abertas. Todas essas salas - que nos compõem - devem ser visitadas. A nossa essência, nossa sexualidade, está relacionada com nossa vontade e necessidade de expansão. Liga-se ao movimento, ao fluxo, a ação. Nossa criatividade então será a maneira como isso desdobrar-se-á em nós. A maneira de sairmos desse labirinto depois de nos tornarmos amigos do minotauro. E pela nossas relações, pela nossa afetividade, direcionada ou geral, é que expressaremos esse poder e o recriaremos infinitamente.
A não percepção de todo esse fluxo causará uma série de "nós", (podemos até perceber o trocadilho involuntário da minha parte e a relação do nó enquanto um ponto numa corda, ou seja, uma série de pontos ou uma série de eus onde não me percebo em nenhum deles - embora seja todos ao mesmo tempo) uma série de fantasmas; o não perceber desse fluxo gerará uma certa insensibilidade frente ao mundo, característicos daqueles que são a partir do "tanto faz", "dá no mesmo", "é tudo igual", "não sei, não interessa".
E para o Tantra essa insensibilidade, essa incapacidade de perceber os fluxos, é esse eu em estado de choque que pensa "não há nada que eu posso fazer, eu sou assim e ponto". Petrificado e congelado - com medo. É o tradicional "deus me fez assim". Sim, o deus me fez...o "assim" é por minha conta. Mas toda essa petrificação tenderá a aumentar. Todo esse estado de desequilíbrio irá conquistar, pouco a pouco, todo o nosso terreno - interno e externo. Minará aos poucos o corpo e a mente.
O pesquisador Gary Schwartz concluiu um estudo em Harvard onde ele percebeu que pessoas que costumam ter muitas dores de cabeça, freqüentemente apresentam um alto índice de tensão na musculatura facial decorrente de um elevado índice de tensão no organismo como um todo. Vejamos a relação entre pessoas tencionadas, pessoas que se reprimem, pessoas que se contraem e o seu oposto, pessoas que se... expandem. Assim como também as pessoas classificadas como "repressoras" podem ser mais suscetíveis a contrair doenças, como asma, pressão alta e gripes.
Cada vez mais então esse processo de auto-sabotagem se espalhará e nossa capacidade de fluir, de se relacionar, de ser, será comprometida cada vez mais. E no final deixaremos de sentir todo o significado, deixaremos de perceber toda fragrância, deixaremos de nos banhar nesse fluxo cósmico e não saberemos mais o nosso lugar na existência.
Francisco Varela chama o sistema imunológico de segundo cérebro, pois ele, assim como o sistema nervoso, é capaz de recordar, aprender, e assim se adaptar num sentido fisiológico. E a interação harmônica entre mente, sistema nervoso e sistema imunológico fornece a "base" para a influência das emoções sobre a saúde.