lundi 9 juillet 2007



37. Sexo, cópula e bifurcação
Então o Tantra nos solicita que percebamos a irrealidade desse tempo, no que diz respeito a esfera do numinoso, assim como a impossibilidade de fluir nesse fluxo devido a gratificação. Por isso que é solicitado - entre outros motivos - que o homem retenha-se. Que ele não ejacule.
O objetivo de utilizar a energia da sexualidade não é o de se atingir um Hiperorgasmo, como alguns "mestres" afirmam, mas para perceber e trabalhar essa energia que sou, que é o universo, que é Shakti. O Êxtase é percebido... mas se não houver a Transcendência, ele passa a não ter sentido. Vira Shiva sem Shakti. Vira shava*.
O eu é deixado de lado num ritual tântrico que envolve a sexualidade porque o tempo é anulado. Nesse sentido é que pode-se afirmar que dentro do Tantra podemos ficar horas e horas e horas fazendo sexo. Podemos ficar, porque não é mais sexo e porque não há mais a noção de tempo.
Mas novamente temos as armadilhas. Podemos transformar isso numa teoria. Podemos almejar o Hiperorgasmo. Podemos desejar ficar horas e horas e horas fazendo sexo e nos sentirmos o grande amante divino. Podemos querer ser Shiva e transformar nossa parceira em Shakti (ou vice-versa) para realizar assim a Grande Trepada Cósmica. Mas aí cairemos novamente no padrão. Cairemos outra vez na roda.
E numa sociedade onde o sexo é ao mesmo tempo valorizadíssimo e condenado, mas trabalhado quase que exclusivamente em função do eu, isso pode parecer extremamente atraente. Num social onde o sexo tornou-se um artigo com várias tabelas de preço, isso parece conter uma ótima relação custo/beneficio. E ao mesmo tempo, numa sociedade onde o índice de disfunção erétil e frigidez atingem níveis altíssimos, isso também pode tornar-se bem interessante. É claro que uma pessoa com problemas poderia tomar uma pílula mágica e... pronto. Já inventaram uma, mas o problema continuaria... num outro nível.
E uma boa perspectiva é notar que tudo isso se dá porque nós relacionamos o pensamento, o intelecto, as teorias científicas, com a Verdade. Mas no máximo eles formam uma pequena e ilusória parte externa da mesma.
Mas se a grande maioria das pessoas considera o pensamento, o intelecto e as teorias científicas (e as religiosas) muito importantes, é porque isso resume-se a única coisa que elas conhecem. É aquilo que vai sendo passado de pai para filho, de cultura para cultura. Sem muito questionamento. Em time que está ganhando não se mexe. Mas o que estamos ganhando? Ou melhor, o que estamos perdendo?
E se nos agarramos a esse conhecido, e nos amedrontamos diante do abissal, do abstruso, do arcano, do confuso, do enigmático, do esfingético, do estranho, do impenetrável, do incompreensível, do inexplicável, do ininteligível, do intrincado, do misterioso, do nebuloso, do nevoento, do nubiloso, do obscuro, do oculto, do secreto, do sombrio... é porque temos medo.
E temos medo porque não conhecemos a nós mesmos, não percebemos esse divino que somos. Temos medo porque ignoramos a verdade básica a nosso respeito. E por sermos ignorantes, por termos medo do que possa aparecer pela nossa frente, sentimos raiva e descartamos tudo aquilo que for desconhecido e que não se parecer conosco de alguma forma. E assim se dá o pré conceito. Que estende-se por preconceito racial, religioso, social e sexual. Devido a isso que o Tantra trabalha com tudo. Mas como afirma Shakyamuni "Não espere nada de ninguém além de você mesmo."
E esse pré conceito é fruto desse pensamento. Que pode ser considerado a base do problema. E o Tantra sugere que invertamos a realidade, ao invés do penso, logo existo, passaríamos ao existo, logo penso. Mas é claro que o pensamento convencional pode ser de certa forma necessário em nossa existência tridimensional. Contudo, colocá-lo como orientador básico em nossa jornada é ficar dando voltas... na roda.
Mas o que é esse pensamento? Essa inteligência? Encontramos o pensamento presente em todas as partes, da percepção à linguagem. Assim como a inteligência poderia ser classificada pelo conjunto de todas as capacidades, de todos os instrumentos que, em quaisquer realizações, são utilizáveis para a adaptação à determinadas tarefas e que podem empregar-se com um fim determinado.
São descrições claras e relativamente precisas. Mas onde se encontra o problema? Na colocação do tempo. Na reutilização de imagens e fatos mortos e consequentemente ficar preso dentro de uma roda cujo o centro não encontra-se em toda parte, mas no tempo. No relógio de ponto. Somos assim o ponto central onde o ponteiro do relógio gira.
Esse ponto, essa necessidade do tempo, segue a linha de que todos os esclarecimentos da vida psíquica do homem passam pela separação em sujeito e objeto. Quando na infância surge aquilo que vem a tornar-se o eu, que começa pelo início de percepção por parte do bebê, onde ele difere-se daquele peito que o alimenta, daquela mão que o acaricia, daquele ser que o embala e o faz dormir.
A psicologia considera patologia a não distinção posterior dessa relação. Considera doença a incapacidade desse organismo se diferenciar de seu meio. O Tantra, por sua vez, vê como um problema a incapacidade desse organismo voltar a se ligar a esse todo que ele intrinsecamente faz parte. Se a noção de uma não divisão entre o eu e o objeto na formação do indivíduo social acarretaria uma patologia, a percepção de mundo única e exclusiva a partir dessa divisão também o é.
E quando a psicologia argumenta que o esclarecimento está na objetivação, o tantrismo solicita que percebamos que um tipo de esclarecimento está na objetivação, solicita que descubramos outros esclarecimentos - que de fato existem. Se faço a mim mesmo consciente através da reflexão filosófica e realizo a reflexão sobre o sujeito e o objeto no todo, conforme para mim ocorre essa separação, essa manifestação do meu ser, estarei sendo apenas uma pequena parte de mim mesmo. Estarei utilizando apenas um pequeno potencial desse manancial sem fim que em mim se encerra e nasce.
Pois se numa reflexão, o esclarecimento de uma questão não resolvida, até então oculta, propicia uma liberação, uma liberação do vínculo que existe nesse que incomoda mas que até então não é localizado, percebido, se ao encontrar esse nó uma liberação é experimentada, na mesma medida, ao desligar esse tempo, ao se desprender dessa - até então necessária - noção partida de eu e objeto, ao fazer essa fusão e abandonar todos os símbolos laicos (ou não) que me constrangem e me aprisionam (sem que eu sequer os perceba), ao realizar isso, dá-se a liberação da realidade objetal absoluta - que esteve presente aqui e agora o tempo todo.
Mas toda a liberação de "alguma coisa" leva ao questionamento de liberação "de quê?". Liberação do laço que me separa de tudo que me cerca e que também me é. Liberação do tempo que me aprisiona e que me esmaga. Respiro então livre da dominação na qual tudo ignorava. Pois ao me reunir aos símbolos que me cercam - e perceber que posso até utilizá-los conceitualmente dentro de uma tridimensionalidade em função de alguma necessidade que esse limite temporal-espacial impõe - ao me perceber novamente parte desse fluxo, eu então sou.
Todavia qualquer libertação implica perigo. O mundo desconhecido implica insegurança. Mas essa eliminação do eu representa perigo, na medida em que ele ainda não encontra-se eliminado, e na medida que essa eliminação é realizada sem a percepção e a realização anterior das indicações deixadas por outros, que já transpuseram esse fogo; o perigo encontrar-se-á numa espécie de "prisão" entre esses dois mundos. Pois se não compreendo esse novo mundo, isso se dá devido a presença de fragmentos de um mundo que tenta compreender, sem a linguagem necessária, a estranha realidade de um "outro".
Nesse aspecto o Tantra solicita que namoremos essa lila, esse jogo cósmico, e convencionalmente atravessemos as seguintes etapas: da auto-observação, onde percebo os fenômenos, as maneiras por que percebo, recordo, sinto, onde determino o que existe neles, visualizo o que há na distância entre o eu e o outro; da auto-compreensão, onde vejo o que em mim ocorre; e da auto-revelação, onde explodo em mil pedaços e me reorganizo nas partes percebendo o truque, a charada, rindo assim do significado da piada.